Pesquisar

sábado, 14 de junho de 2014

O sabor de afetos incomunicáveis

Descobri que minha vida é uma sucessão inapelável de necessidades.  Falando assim pode até parecer simplista ou pragmático, mas o fato é que o próprio contexto ideológico em que vivo parece ser pensado para uma eterna contingência. E por vezes encontro nos mais diversos meios o esperado final para tantos anseios; a tecnologia, por exemplo, tem assumido esse papel mais presencialmente, é claro que o caráter tão inconstante das tecnologias deixam sempre uma necessidade ainda maior de adequação, e isso forçadamente me joga novamente para meu inapelável destino pragmático.
       Nesse ponto coloco toda minha reflexão revolucionária em dúvida, como se toda minha autoafirmação tivesse todo esse tempo fora de lugar. E por quê? Por que não há nem com quem eu posso falar a respeito, “como eu poderia misturar-me àqueles aos quais se prestam a ouvidos atualmente?” (NIETZSCHE). Não veja isso como uma carta de declaração sobre uma suposta superioridade, não tenho tendências de forte humildade cristã, mas se auto impor condições superiores, sempre me pareceram equivocadas e condenadas ao fracasso. Agora vejo sim uma ausência de pensamentos iguais aos meus, ou pelo menos, uns que me façam refletir em um nível mais elevado, e isso paulatinamente corrói meu senso crítico.  
       Minha única dúvida seria estabelecer o começo de tanta incerteza e contingência. Será que o mundo tornou-se barulhento demais para se pensar? Ou será que eu fiquei incompetente na hora de pensar e então criei um mundo barulhento demais? A bem da verdade, alguém vai levar vantagem nesse esquema, eu, ao passo que estabeleço um mundo de surdos de sentimento que não tem nada a dizer, ou o mundo, que deixa de contar com uma pessoa prepotente ao ponto de achar o mundo incoerente e ineficaz intelectualmente. Mas uma certeza eu tenho e isso ninguém pode tirar, sempre tive muita coisa pra dizer, e sempre disse, mesmo que não houvesse ninguém pra ouvir, nem mesmos os que só sabem ouvir.
       Hoje eu vivo ao sabor de afetos incomunicáveis, uma ilha afetiva inexplorada, que já percebi, ou foi criada por minha prepotência ou pela minha ignorância. Mas que nunca obriguei ninguém a fazer moradia nela. Os que aqui estão só estão por escolhas próprias. E só aqui permanecerão se forem capazes de compreender minha senilidade e minhas paixões, e acredite-me não creio poder encontrar um único que ainda esteja vivo. Agora peço a todos que acreditam em sua legitimidade existencial, que entenda isso como um desafio e prove-me que estou errado e, por favor, me ajude a ter uma sobrevida além da escravidão de afetos.  


quarta-feira, 4 de junho de 2014

O AMOR ENTRE MULHERES COMEÇA A DESPONTAR

As animações Disney foram e continuam a ser uma forte influência na infância de muita gente; as meninas, na maioria das vezes, são ensinadas a desejar a realeza inquestionável do “ser princesa”. Para além da quantia exorbitante de dinheiro movimentado em brinquedos e merchandise com os personagens dos desenhos e filmes, a Disney traz à tona questões pertinentes à subjetividade humana: padrões de beleza, estereótipos sexuais e a heterossexualidade compulsória estão presentes em todos os contos de fadas da Disney, que muitas vezes ensinaram às garotas que príncipes são necessários para que elas sejam salvas e tenham um final feliz.
    Ultimamente, a Disney tem feito o que por muitas décadas se recusou a concretizar: a indústria tem criado personagens femininas fortes e que existem em tramas variadas, que não giram em torno de conseguir um homem. Pelo contrário, os mais recentes filmes, como Valente, Frozen e Malévola, mostram histórias em que amor verdadeiro existem entre mulheres, que não apenas mantêm relacionamentos únicos e profundos, mas ajudam e salvam umas às outras.
    Há outros desenhos Disney que contam histórias de protagonistas femininas fortes e corajosas, como “Pocahontas”, que impede uma guerra, ou “Mulan”, que salva seu país de uma invasão. No entanto, seus relacionamentos ainda se constituíam entre pares românticos e figuras paternas; por muito tempo, a imagem da mãe foi colocada de lado, substituída por madrastas cruéis e invejosas. Essa corrente foi rompida com o lançamento de “Valente”, que além de contar com uma princesa quase totalmente fora dos padrões, apresentou um relacionamento entre mãe e filha como foco do enredo. Já em “Frozen”, a narrativa emocionante gira em torno da amizade de duas irmãs, surpreendendo com uma das maiores quebras de paradigmas dos contos de fadas: o ato de amor verdadeiro para o fechamento da trama não era o beijo de nenhum dos galãs, mas sim a coragem de uma irmã se arriscar pela outra.
    Em “Malévola”, mais recente estreia da Disney, muita coisa é desconstruída: a clássica vilã é transformada em uma personagem multidimensional, complexa e com uma história profundamente tocante. Violentada e traída pelo homem que amava, Malévola encontra em outra figura feminina a descoberta do amor verdadeiro e a sua redenção. Assim como em “Frozen”, o príncipe é deixado para o final, como uma espécie de complemento para que o desfecho seja feliz em todos os aspectos, mas certamente há muito para ser apontado como avanço.
    Para aqueles que consideram frívolos os debates sobre filmes Disney, a pertinência dos contos de fadas na formação subjetiva de meninas e meninos já foi investigada em diversos livros e pesquisas acadêmicas, expondo a criação e manutenção de padrões e costumes sociais. A representatividade é importante; é por isso que a Disney, que se mantém como a mais importante companhia de entretenimento infantojuvenil, ainda tem um longo caminho pela frente. “Valente”, “Frozen” e “Malévola” continuam trazendo exclusivamente mulheres brancas e magras como heroínas. Ao considerarmos então a questão da inclusão de personagens com deficiência, o quadro fica bem pessimista. Isso tudo influencia a autoestima de milhares de crianças, que são expostas aos contos da Disney desde a mais tenra idade, mas não se encaixam nesses padrões e não se enxergam nos enredos.

    Apesar de tudo, é revigorante saber que já estão disponíveis obras de ficção da Disney que dialogam melhor com as realidades das meninas, mostrando relacionamentos cheios de sentimentos entre mães e filhas, irmãs e amigas e provando que mulheres podem e devem contar umas com as outras. Mulheres também podem ser fortes, guerreiras e capazes de enfrentar monstros – tanto os fictícios quanto os simbólicos, como relacionamentos abusivos e crises existenciais.
    É importante lembrar que esse tipo de mudança também é extremamente positiva para garotos e homens. Enxergar mulheres como seres humanos independentes e dotados de força auxilia uma formação menos machista e dominadora, que também abrirá espaço para que esses homens escapem dos rígidos padrões de masculinidade. E, ao contrário do que pensam os misóginos, muita gente quer blockbusters com mulheres protagonistas. O sucesso estrondoso de bilheteria de “Malévola” e “Frozen” não mente: existe uma grande audiência interessada em vilãs complexas, que roubam a simpatia do público, e mocinhas autônomas e habilidosas. Afinal, muitas mulheres reais são assim.