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quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO PLURAL É SALUTAR SIM, MAS ISSO NÃO VAI TE EXIMIR DE SER UM IMBECIL

Eu sempre defendi o livre discurso plural, isso pra mim, é o alicerce sem o qual não poderíamos construir uma sociedade verdadeiramente democrática. Contudo, aprendi com minha anódina trajetória intelectual, que o direito à liberdade de expressão plural é salutar sim, mas que isso não vai te eximir de ser um imbecil. 

Hoje li comentários sobre a política de cotas dando conta de que isso torna o negro, inferior e que querem corrigir um erro que não foi sofrido por eles e sim pelos antepassados, é óbvio que como já disse irei defender sempre teu direito de falar o que quer que seja, por mais imbecil e estupido que seja teu discurso. Mas defendo teu direito de ter esse direito, e isso não é corroborar com as possíveis asneiras que vier a exteriorizar. 

Portanto, deixa eu ser claro, há quem pense que racismo diz respeito somente a ofensas, injúrias e não percebem o quanto vai muito mais além: se trata de um sistema de opressão que privilegia um grupo racial em detrimento de outro. E meus amores, justiça nada tem haver em tratar todos da mesma maneira, pelo contrário, tratar todos da mesma maneira é a maior injustiça que pode ser cometida. E isso fica ainda pior se os que hoje você quer que recebam o mesmo tratamento, foram e são historicamente aleijados dos processos sociais. 

No Brasil, foram 354 anos de escravidão, população negra escravizada trabalhando para enriquecer a branca. No pós-abolição, no processo de industrialização do Brasil, incentivou-se a vinda dos imigrantes europeus pra cá. Muitos inclusive receberam terras do Estado brasileiro, ou seja, foram beneficiados por ação afirmativa para iniciarem suas vidas por aqui. Tiveram acesso a trabalho remunerado e, se hoje a maioria de seus descendentes desfrutam de uma realidade confortável foi porque foram ajudados pelo governo pra isso. Enquanto que os descendentes dos negros foram ainda mais massacrados do que pelo açoite dos chicotes. 

A população negra não se criou mecanismos de inclusão. Das senzalas fomos para as favelas. Se hoje a maioria da população negra é pobre é por conta dessa herança escravocrata e por falta da criação desses mecanismos. É necessário conhecer a história deste País para entender porque certas medidas, como ações afirmativas, são justas e necessárias. Elas precisam existir justamente porque a sociedade é excludente e injusta para com a população negra.

É fácil abrir a boca pra falar em conquistar pelo mérito, mas mesmo o sistema meritocratico pressupõe igualdade de condições, e isso não existe. Uma pessoa branca de classe média, que estudou em boas escolas, come bem, aprende outros idiomas, tem lazer e passa em uma universidade pública, pode se achar o máximo das galáxias, mas na verdade o que ocorre é que ele teve oportunidades na vida pra isso. Qual mérito ele teve? Nenhum. O que ele teve foi condições pra isso.

E se esse tipo de discurso já me deixa consternado quando é de um mero papagaio, fico ainda mais preocupado quando parte de um colega da filosofia ou pior de candidatos ao curso de Especialização de Políticas de Promoção da Igualdade Racial promovido pela UNIFAP. Meu caro, uma dica, pesquise sobre o conceito de equidade aristotélica (sim, de Aristóteles, o filósofo grego): as ações afirmativas também se baseiam nele, que basicamente significa tratar desigualmente os desiguais para se promover a efetiva igualdade. Ou seja, se duas pessoas vivem em situações desiguais, não se pode aplicar o conceito de igualdade abstrata porque concretamente é a desigualdade que se verifica. Aquela pessoa que está em situação de desigualdade precisa de mecanismos que visem o acesso dela à cidadania.

Bem, para mim, o processo histórico da humanidade me oferece argumentos simples, porém suficientes para entender que as cotas, não somente estas, mas todo o processo de políticas de reparação e ações afirmativas envolvendo os negros, são plenamente plausíveis e, assim sendo, merecem o devido respeito e o mínimo de conhecimento histórico, por parte daqueles que pretendem argumentar contra os mesmos. Não alicercem sua razão somente no agora, existe mais, muito mais a ser observado. Gosto da ideia de Hegel da Razão ser a Rosa na Cruz do sofrimento presente. A razão é um conceito absoluto sim, mas em face do passado. Pense nisso e veja que por mais obsoleto e racista que seu discurso possa está sendo, você ainda pode mudá-lo. 

Em relação a pessoas brancas pobres, existem as cotas para quem é oriundo de escolas públicas, as cotas sociais. Mas as raciais também são necessárias porque pessoas brancas, por mais que pobres, possuem mais possibilidades de mobilidade social, uma vez que não enfrentam o racismo. Façam um passeio por um shopping center e vejam a cor dos vendedores e vendedoras, das gerentes. E depois deem uma volta nas favelas e cadeias do Brasil, Negros são os mais pobres entre os pobres e só a cota social não os atinge. Beneficiaria somente pessoas brancas. Cotas raciais porque esse País possui uma dívida histórica para com a população negra. Dizer-se antirracista e ser contra as cotas é, no mínimo, uma contradição cognitiva e, no máximo, racismo.

E todo esse texto foi só pra dar meus parabéns a Deputada Cristina Almeida do PSB/AP, seu projeto de 20% de cotas para negros em concursos públicos no Amapá é sensacional, e hoje a senhora ganhou meu respeito...



Um comentário:

  1. ps. pré-comentário: tenho blog, mas esse método rotineiro e assíduo de escrever me deixa na síndrome do papel em branco e o deixo à mercê; os poucos blogs que leio, têm bons conteúdos mas noto a escassez de reciprocidade ativa do leitor. Por isso acho crucial, esse feedback de ideias.

    Gostei dos argumentos que apresentou, da linguagem, nunca havia me posicionado concretamente sobre as polêmicas cotas raciais, mas identifiquei aqui, muitas de minhas conclusões. Parabéns! (mais um blog na minha lista).

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