Phil
Anselmo (ex-vocalista do Pantera) fez uma saudação nazi e chocou o mundo
gerando uma série de discussões sobre o heavy metal ser ou não um gênero
musical reaça. Me lembrou de uma entrevista do Seu Jorge que dizia que “rock
não é um gênero pro negro”. Lembro que depois dessa entrevista, muitos brancos
quiseram ensinar pro negro Seu Jorge como o rock havia sido criado por negros
como Chuck Berry e Little Richard e eletrificado pelo negro Jimi Hendrix. Teve
até gente que desenterrou a única grande banda de hardcore negra (Bad Brains) e
os roqueiros do Living Colour para ensinar ao Seu Jorge o que ele seria incapaz
de aprender com a experiência.
Eles
estavam errados, claro, mas eu também estive a maior parte da minha vida.
Quando
era um moleque rebelde que me achava o lumpemproletariado em pessoa por ser
mais pobre que meus coleguinhas de escola, eu julgava que o rock era a música
da rebeldia, a trilha sonora da revolução. Stones, Nirvana, Ramones, Rage
Against The Machine… Quer coisa mais contestadora que o rock n’ roll? Do alto
da sabedoria da minha adolescência, eu achava que quem ouvia pagode, axé,
sertanejo, funk e outros gêneros populares era ignorante. Eu também decidira
que a música clássica branca e o jazz negro, que papai ouvia em casa, eram um
saco, música chatíssima. Portanto, além de libelo libertário, o rock era um
símbolo de alta cultura, letras elaboradas e complexidade musical. Eu não tinha
dúvidas que Max Cavalera devia ser um músico melhor que João Gilberto. E não sabia
que traduzindo as letras do AC/DC ou do Elvis eu ficava com algo próximo de um
funk carioca falando sobre rebolado, sapatos de azul camurça, “pegar garotas”,
“comer garotas” e outras grandes questões filosóficas da humanidade. Também não
fazia ideia que que as músicas dos Sex Pistols ou do Green Day eram muito mais
fáceis de tocar que os solos do Chimbinha. Para mim, o rock era uma forma de
religião e salvação. Especialmente o punk que era a coisa mais próxima do rap
que um jovem branco poderia alcançar. O punk era o rock feito por suburbanos
rebeldes, uma trilha sonora perfeita para minha vida de adolescente sofredor.
Antes de descobrir o punk, eu até gostava das coisas que meus pais ouviam em
casa: Caetano, Gal, Rita Lee, Adoniran, Luiz Melodia, etc. Depois disso, passei
a achar toda a MPB cafona, atrasada, piegas e ultrapassada.
A
crítica de rock da época, que eu lia avidamente, pregava a mesma coisa. O
grande André Barcinski (gosto dos textos dele até hoje) não tinha saco para a
“bunda-molice da MPB”, Alvaro Pereira Jr, que escrevia na Folhateen e hoje é
editor do Fantástico, dizia que as ÚNICAS coisas boas já feitas no nosso país
eram Racionais, Mutantes e Sepultura. Detonar Caetano Veloso era moda desde a
chegada do rock dos anos 80 e continua sendo o mote principal do, hoje
senhorzinho, Lobão. Caetano, Gil e cia eram “afeminados”, “atrasados”, tinham
“sótaque” e faziam um som “pobre”. A bossa nova era chata. Eu gostava de Chico
Science, mas meus amigos roqueiros o desprezavam. Bons para meus colegas
juvenis eram Guns, Aerosmith, Metallica, Oasis, Pearl Jam, Offspring… No máximo
o “pop rock nacional” (que muitos críticos brasileiros também desprezavam) de
Legião, Raimundos, Ultraje a Rigor, Charlie Brown Jr., etc.
Minha
primeira resistência a esse pensamento foi o contato com o rap. Meus amigos
roqueiros, mesmo os falidos, achavam Racionais uma merda. Eu achava foda. E
ouvia, também, Planet Hemp, Sabotage, Thaíde e Dj Hum, etc. Vendo que tipo de
colega ouvia cada coisa, rap era som de preto e rock de branco. Quando os
Racionais sacanearam o Guns e o Barão em “Qual mentira vou acreditar” a coisa
ficou mais explícita.
Chico
Science & Nação Zumbi ajudaram a resgatar a negritude no pop nacional
Quando
entrei na faculdade, encontrei muita gente que também gostava de Chico Science.
Lá eu não precisava ter vergonha dos discos de Mangue Beat. E as pessoas também
ouviam coisas que meus pais gostavam: Tim Maia, Jorge Ben, Cartola, Gilberto
Gil… Todos negros! E até Caetano Veloso era apreciado, mesmo com seu cabelo
black power, seu sotaque baiano, seu jeito feminino, suas músicas “devagar”. De
repente, percebi que até os anos 80, o pop nacional era cheio de mulheres (Rita
Lee, Elis, Elza Soares), negros (além dos já citados, Jair Rodrigues, Simonal,
Djavan, Milton Nascimento e muitos outros), andróginos (Caê, Gil, Secos &
Molhados), pobres (Cartola, Luiz Melodia, João do Vale), nordestinos (Zé
Ramalho, Elba, Novos Baianos, Fagner) e gays (Gal, Bethânia, Angela Rô Rô, Ney
Matogrosso, etc). Os músicos vinham da Bahia, Pernambuco, Ceará, Espírito
Santo, Minas Gerais… e não só de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio, como as
bandas de “pop rock” oitentistas. Os ritmos não eram só rock (apesar de existir
muito rock, funk, soul, etc), mas, também, samba, baião, forró, etc. Tudo
aquilo que eu havia aprendido que era cafona, brega, velho e ruim era,
simplesmente, brasileiro. Eu aprendi que Djavan era uma piada, quando o cara
estava gravando com Stevie Wonder. Aprendi que a bossa nova era um lixo chato,
quando foi a música brasileira com maior alcance internacional. Que Caetano era
ultrapassado quando os hipsters gringos dos anos 2000 o regravaram e
redescobriram. Já o rock nacional dos anos 80 passou anônimo para o mundo,
apesar de ser vendido como revolucionário por aqui. E, sinceramente, de
moderno, ele nem tinha tanto já que as referências estava muitos anos atrasadas
(Barão Vermelho cultuava Stones, Ira o The Who, Lobão disse que qualquer um que
tenha ouvido Led Zeppelin não podia aguentar bossa nova, etc).
O
pop nacional dos anos 60/70 tinha um pouco mais de “diversidade”
Minha
tese aqui é de como o rock nacional dos anos 80 deixou a música brasileira mais
“branca” e “careta” (não que todo roqueiro é nazista, he, he, he). Quem
questionar esse ponto, por favor, liste 10 frontmans de bandas nacionais de
repercussão dos anos 80 que eram negros ou nordestinos. Escrevo isso como
alguém que ainda se considera um “roqueiro”. Que ama bandas, discos e clipes de
rock. E que sabe que nos anos 90 a coisa ficou mais diversificada por aqui. (Se
você pegar os anos 80 inteiros só vai encontrar o Renato Rocha, baixista da
Legião, e o Clemente, vocalista do Inocentes, de negros no rock. Nos 90, tem a
galera da Nação Zumbi, Planet, Rappa, etc.) Os ritmos nacionais foram
reabilitados pela geração 90, mas não dá pra negar que, hoje, o “roqueiro true”
é um tiozinho trancado em seu mundinho, acreditando que só aqueles 4 acordes
(ou, ok, 367 acordes, no caso do Dream Theater) são bons. Se isso é ruim quando
vemos a polêmica em volta do vocalista do Pantera, no caso do Brasil é
patético. Estamos idolatrando pastiche ruim de coisas que foram relevantes lá
fora anos atrás. Se eu tivesse que escolher entre NXZero e Tim Maia, Tihuana e
Racionais ou Jorge Ben e Capital Inicial, nem preciso dizer de que lado
ficaria, né?
Clemente
(liderando os Inocentes), um dos poucos negros do rock nacional dos anos 80.
Amo
meus discos, amo o punk rock, faço meu filho dormir ouvindo Sepultura, mas não
posso negar que Seu Jorge estava certo e que os críticos de Phil Anselmo estão
certos. O rock se tornou um senhor branco, arrogante, machista, conservador e
bunda mole. E, no Brasil, a partir dos anos 80, ele ajudou a nos fazer ter
vergonha da nossa cultura, dos nossos cabelos e dos nossos sotaques. Rock é
legal, mas não é a música das “elites intelectuais do mundo” como gostaríamos
de acreditar. E além do seu cercadinho de solos distorcidos e roupas pretas,
existe uma tonelada de cultura e diversidade para ser escutada e descoberta.
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